domingo, janeiro 29, 2006

A neve

Hoje eu vi neve e estou feliz… Que coisa enriquecedora. Nunca vi nada igual. Pelo menos, sem ter fumado nada. Ai, ai, a neve. Neve, neve… Quem diria que eu, um borra-botas, veria neve?! Pois é! Mas a verdade é que hoje eu vi neve. E essa experiência tornou-me noutra pessoa. Ah! Que bela coisa que é ver neve! Como me sinto feliz por ser como todas aquelas pessoas a quem perguntaram, na televisão, se estavam a gostar de ver a neve. Sou tão parecido com elas. Também digo coisas estúpidas quando me perguntam o que eu acho da neve; também fico, se for preciso, uma tarde inteira a falar dessa coisa rara que é nevar na capital; e também sou inteligente ao ponto de me dar ao trabalho de responder a um repórter televisivo, quando ele me pergunta: “Então, o que acha da neve?” Caramba, eu acho a neve um bocado branca. Mas achei bem que nevasse. Já era tempo de acontecer alguma coisa que me fizesse lembrar que os portugueses são tipos inúteis. Uma coisa tenho de reconhecer: maior parte das pessoas nunca tinha visto neve a não ser na televisão ou em postais de Natal. Mas isso não lhes dá o direito de agirem como se fossem crianças a quem dão um brinquedo, ou dá? “Ai, a neve, tão giro! Vamos todos tirar fotos na neve. Olha só, mãe: tenho neve no queixo! O mano fez xixi na neve.” Mas enfim, hoje nevou e estou feliz. Estou feliz porque sou português e porque em Portugal, quando neva, as pessoas vêm para a rua e dizem umas às outras: “Olha, afinal é isto que é neve!” O que vale é que somos um povo evoluído. E como somos evoluídos, gostamos da neve, gostamos de ir para a neve, gostamos que a neve venha até nós e gostamos, principalmente, que a neve caia quando queremos brincar com a neve. Perante uma avalanche, somos certamente o único povo que não foge e que fica com cara de parvo a dizer: “O que é aquilo? É neve?! Ah! Que giro! Se é neve, estou feliz!”

domingo, janeiro 22, 2006

Indignação eleitoral

Ai, ai! Isto foi um suspiro. A indignação vem a seguir: Então, pá?!! Bom, queria dizer que isto das eleições é uma parvoíce. Primeiro, não gosto de ir votar quando está a chover. E dizem-me vocês: “Mas ó palerma, hoje não choveu!” E digo eu: “Mas, quando está a chover, eu não gosto.” Adiante. Estava na fila para votar e eis que chega o senhor Derrotado e passa à frente de toda a gente. Ainda perguntei se a primeira pessoa da fila lhe cedera generosamente o lugar em troca de um beijinho, mas não mo confirmaram. Aparentemente, o tal senhor passou à frente de todos não porque era candidato, ou porque estava com pressa para ir à casa de banho, mas porque, na mesa de voto, já teriam um boletim preparado especialmente para ele, já com a cruz no devido lugar, não fosse ele esquecer-se do que estava ali a fazer na hora de votar. Depois foi embora e, ouvi dizer, não falou aos jornalistas. Parece-me óbvio que, por esta altura, estava a perguntar a si mesmo o que estava ali a fazer, por isso o melhor seria não dizer nada, como o fez. De seguida, alguém perguntou se o senhor que acabara de sair não era o senhor Derrotado. Creio que o senhor Derrotado perguntou o mesmo a quem o acompanhava. Estava já nos dez primeiros da fila quando alguém, muito indignado, se insurgiu contra a mesa. Pelo que percebi, queixava-se que não havia espaço no seu boletim para escrever uma receita de bacalhau à lagareiro que a sua avó costumava fazer e que, segundo ele, era “daqui”, isto é, da zona da orelha que segurava com orgulho. Nisto, a pessoa que se encontrava à minha frente, perguntou-me se, para derrotar a direita, permitiriam que votasse, ao mesmo tempo, em todos os candidatos de esquerda. Disse que sim, não porque acreditasse nisso, mas porque me pareceu que não era boa ideia contrariá-lo, até porque lhe reconheci algumas parecenças com o candidato Louçã. Ao mesmo tempo, já no conforto de sua casa, o senhor Derrotado dava pancadinhas na cabeça, tentando lembrar-se do que fizera nos últimos dez minutos. Já desidratado, cheguei ao primeiro lugar da fila. Em simultâneo, alguém depositava na urna um boletim completamente pintado. Mais tarde, explicar-me-iam que se tratava de um homem das redondezas que julgava ser a reencarnação de Salvador Dali. Chegou a minha vez e cumprimentei, com um sorriso, a senhora que estava na mesa. Depois das burocracias do costume, deu-me o boletim e pediu-me a gentileza de informar a mesa caso encontrasse o senhor Derrotado, uma vez que se esquecera do cartão de eleitor. Fui para trás de um biombo, onde supostamente estaria uma caneta à minha espera, e um indivíduo, provavelmente marroquino, perguntou-me se queria produto. Disse que não e peguei na caneta. Ao meu lado, estavam outros votantes, entre eles um que batia com força em si mesmo, visivelmente irritado com algo. Perguntei-lhe se estava tudo bem e ele explicou-me que era analfabeto. Pensei para mim se não deveriam existir boletins especiais para quem não sabe ler, mas depois achei melhor ajudá-lo. Paciente como sou, pedi-lhe então para me dizer qual o candidato em que queria votar, que eu próprio faria a cruz no local correcto. Disse-me que estava indeciso entre o senhor Derrotado e um dos sete anões. Quando me desembaracei dele e consegui, finalmente, votar, disse a mim mesmo que jamais voltaria a votar ao mesmo tempo que tanta gente estúpida. É impressionante como tão pouca gente faz ideia daquilo que é votar! Dizem-lhes que é um dever cívico e pensam que é como dar sangue, mas sem doer. Antes de dobrar o meu boletim, lembrei-me do senhor Derrotado e imaginei-o, naquela altura, sentado diante da televisão, dizendo à mulher-a-dias para lhe trazer o Cerelac e para mudar de canal, pois queria ver a final do Euro 96. Dirigi-me à mesa para entregar o meu boletim e pensei, uma vez mais, na estupidez que é o acto de votar, considerando-me superior por saber, ao contrário do resto das pessoas, o que tinha ido ali fazer. Quando pus o boletim na urna, perguntei para o senhor que me devolveu o cartão de eleitor: “Quando é que anda à roda?”

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Acidente doméstico

Queria hoje, em acesa discussão com o leitor inconformado, descobrir o seguinte: como é que se parte uma perna a um peixe-agulha? Sei que a questão já foi abordada por pessoas que estudaram realmente para isso, mas sempre foi algo que me intrigou. Quer dizer, sempre também não. Há uns tempos que me intriga. Vá lá, há doze minutos. Isto é, há treze. Treze e vinte e três segundos. Vinte e quatro…vinte cinco… Enfim, o que me traz mesmo aqui hoje, além de mim mesmo, que sempre vou onde eu próprio me quero levar, é o apelo feito por aqueles anúncios televisivos em que se incita a que a mulher não fique calada perante a violência doméstica de que é vítima. Antes de explicar o que se passou comigo, gostaria de dizer que esse tipo de reclame, bem como os reclames a anti-piréticos e, enfim, todos aqueles em que se vir alguém a queixar-se de alguma coisa, executando um esgar de dor estúpido como a mulher do Trifene 200, são coisas de mariquinhas. Melhor, são coisas de mariquinhas pé-de-salsa. Bom, andava eu em azafamadas mudanças em minha casa quando, devido à característica que melhor define o meu talento para a lide doméstica, a aselhice, o microondas me escapou dos dedos, indo esborrachar-se no chão da cozinha, não sem antes me levar metade da canela à frente. Como sou másculo e forte, soltei apenas um gemido. Como repararam, certamente, até aqui usei já duas vezes a palavra “doméstica”. Não acredito que isso seja sintoma de indefinição sexual, mas, pelo sim pelo não, já despi o “maillot” e tirei a bandolete. Voltando à minha história épica, pouco depois, fui tratar do dói-dói e reparei que se começara a formar uma nódoa negra. Ou seria um hematoma? Pronto, aquilo que eu queria perguntar, uma vez que há muito tempo que não vejo esse tipo de anúncios, era o seguinte: qual é mesmo o número para as vítimas de violência electrodoméstica?

sábado, janeiro 07, 2006

Aquilo que me irrita

Qual é coisa, qual é ela, que me irrita mais que uma festa de pijamas? Uma festa de pijamas para jornalistas. Bom, há várias coisas que me irritam. Em primeiro lugar, se há coisa que me irrita mesmo são os jornalistas que têm a função de conduzir uma entrevista. Aliás, estes jornalistas e o Nuno Eiró. De uma maneira geral, tenho a dizer que o grande problema da imprensa é estar entregue aos jornalistas. Em segundo lugar, irrita-me extraordinariamente que todos os jornalistas desportivos chamem “Chec” ao guarda-redes do Chelsea quando o seu nome é “Cech”. Tudo bem que o homem é de nacionalidade checa, mas não precisam de referi-lo sempre que ele intervém na partida. Imagino até que, há quinze anos, o seu nome não fosse “Chec”, mas “Checoslovaco”. Mas isto é o mesmo que, num jogo do Milan, sempre que o Rui Costa tocasse na bola, o comentador dizer “boa iniciativa de “Português””, ou “carrinho faltoso do “tuga””. Creio, contudo, que é um caso claro de dislexia colectiva jornalística, uma vez que todos os jornalistas, sem excepção, conseguem ver que o “h” está duas letras antes do seu local correcto. Sendo assim, é uma sorte os jornalistas não chamarem “Doce” ao Deco ou não haver jogadores com “Del Corno”. Irrita-me também que a Sílvia Alberto tenha problemas de visão, goste de música de pendor racial e não tenha que comprar pentes. Depois, irrita-me que os jornalistas inventem palavras que querem dizer o mesmo que outras palavras que já existem, mas das quais não se lembraram. Assim, é coisinha para me deixar os nervos em franja inventarem “empenhamento”, uma palavra com mais duas sílabas que “empenho”, e ainda terem o descaramento de achar que aquilo existe. Depois, irrita-me que os mesmos doutos jornalistas traduzam “massive destruction” por destruição maciça. Na minha opinião, os portugueses, principalmente os jornalistas, devem pensar que uma arma de destruição em massa serve para rebentar com blocos de mármore maciço. Mas isso sou eu, que sou um bocado parvo. Irrita-me ainda que não existam eventos festivos, como na Roma antiga, duas ou três vezes por ano – talvez no Verão, que é quando não há futebol – em que se soltasse um grupo de jornalistas numa arena com leões. Para não fugir ao assunto, também me irrita, e muito, que se digam coisas como: “Dá Deus nozes a quem não tem dentes.” Tudo bem que isto não são só os jornalistas que dizem, mas foram eles, de certeza, que introduziram essa frase na nossa sociedade. Ora bem, irrita-me esta frase porque eu nunca vi Deus, muito menos a fazer acções de caridade como seja distribuir nozes por malta sem dentes. Depois, gostava de saber o que dá Ele a pessoal que tem, de facto, dentes. Oferecerá uma Bola de Berlim e uma “Schweppes”? Enfim, tudo seria menos irritante se Deus, o mesmo que brinca com a dentição das pessoas, não tivesse inventado a imprensa escrita. E perguntam vocês: “Ó Chico-esperto, então a imprensa escrita não foi inventada pelo Gutenberg?” E digo eu: “Claro que sim! Mas ele trabalhava para quem? Quem era o chefe de redacção do homem? E com quem é que ele tinha contrato para imprimir a Bíblia antes de qualquer outro livro?” É óbvio que Deus esteve por detrás disto. E como tal, é a Ele que tenho que mostrar a minha irritação para com tão macabro invento. Tudo bem, queria inventar a imprensa, inventava. Mas ao menos inventava também o bom jornalismo.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

O que tenho a dizer desta quadra festiva

O que tenho eu a dizer desta quadra festiva que agora chega ao fim? Não muito. Pelo menos, não muito que vocês queiram saber. De qualquer forma, nesta quadra fiquei a saber várias coisas. Primeiro, descobri uma maneira singular de ludibriarmos o farmacêutico quando vamos comprar preservativos. Pelo menos, durante esta época funciona. É o seguinte. Pedem uma caixa de preservativos, com sabor ou natural, e quando o farmacêutico estiver a pôr aquilo no saquinho do costume, vocês perguntam: “não pode fazer um embrulho?” E diz o farmacêutico, espantado: “Embrulho?!” E vocês: “Sim, se faz favor. É que não é para mim. É para oferecer.” E das duas uma: ou o farmacêutico cai e, depois de dizer que ali não fazem embrulhos, fica a pensar que era mesmo para oferecer a outra pessoa, ou então pensa o seguinte: “Pois, ora aqui está mais um com vergonha que se saiba que vai às putas?” Eu prefiro pensar que o farmacêutico não é muito inteligente e acredito na primeira hipótese. Tenho ainda a acrescentar que isto resulta melhor se, em vez de um farmacêutico, for uma farmacêutica a puxar para o jeitosa. Pelo menos comigo resultou. Em segundo lugar, descobri que o chocolate é mesmo um poderoso afrodisíaco. Em nenhuma altura do ano a malta come tantos chocolates e em nenhuma altura do ano tenho tanta vontade de ter sexo com a minha cadela. Por isso já sabem, quando a vossa namorada ou mulher estiver com uma terrível dor de cabeça, façam-na enfardar bonbons e beber chocolate quente. Finalmente, na noite de passagem de ano, descobri que os meus vizinhos têm tachos. Também descobri que têm tachos e que sabem que têm tachos. A seguir, descobri que têm tachos e que sabem que têm tachos e que sabem que esses tachos fazem barulho. Como se não bastasse, descobri ainda que têm tachos e que sabem que têm tachos e que sabem que esses tachos fazem barulho e que têm orgulho em ter tachos e em fazer barulho com eles. Para terminar, descobri que vizinhos que têm orgulho em tachos com os quais fazem barulho também gritam quando levam com uma pedrada na testa.

domingo, janeiro 01, 2006

O que eu desejo...

Passou finalmente o ano. Pessoalmente, já não podia com tanta publicidade. Por isso, ainda bem que já está. Todos a quem perguntam na televisão o que desejam para este novo ano respondem como se fossem candidatos a Miss Universo. Eu não costumo ser do contra, mas hoje, como é um novo ano, apetece-me ser. Por isso, para o ano que acaba de começar, desejo a guerra, sobretudo aquela que mata muita gente, principalmente crianças; desejo ainda a fome, porque acho que as pessoas estão a começar a ficar obesas e as mamas da Fafá deixam de ser originais; e desejo, por último, que as calças à boca-de-sino passem a ser moda, que é para não ter que fazer a bainha a umas que mandei vir por catálogo e que me estão assim para o grandinhas. A todos, um Bom Ano de 2007…