domingo, setembro 25, 2005

Viagens no tempo

Estamos a aproximar-nos daquela altura do ano em que se cumpre o mais estúpido dos rituais humanos. Não, não me estou a referir ao São Martinho e aos comas alcoólicos originados pela água-pé nem à romaria servil do povo às urnas. Estou, sim, a falar dessa peculiar cerimónia na qual todos os homens e mulheres do país participam e que se usou designar por “mudar a hora”. Meus amigos, o que é isso? Eu sei que é, provavelmente, o acto que nos torna mais parecidos com Deus, mas, tenham paciência, isso é estúpido! Não sei se estariam à espera disto, mas vou ter que revelar-vos o seguinte: vocês mexem nos vossos relógios, alteram a hora e tal, mas o tempo continua na mesma. Não é por isso que ganham tempo. Mas mais estúpido é que a malta muda a hora agora e depois volta a mudá-la daqui a uns meses, ajustando-a para que fique como estava antes. Primeiro desacerta-se a hora e depois torna-se a acertá-la? Qual é a ideia, afinal? Será que, ao fim de algum tempo, a malta arrepende-se e decide voltar a deixar tudo como estava? E será que expiam a ousadia de mexer no tempo ao corrigirem-no? Ou será que é para mostrarmos ao tempo quem manda? “Estás a ver, Tempo? Agora, estou uma hora à tua frente e tu não podes fazer nada.” Será que é para baralharmos o próprio tempo, para que ele não saiba às quantas anda? Ou será antes que adiantamos a hora para que, durante esse período de tempo, nos possamos atrasar até uma hora e ainda assim chegarmos a tempo? Não sei se serei só eu a pensar assim, mas isto parece-me uma das mais disparatadas atitudes da sociedade moderna. Quer dizer, o Homem descobriu maneira de quebrar a barreira da velocidade do som, vai à lua e vem em 4 ou 5 dias, cada vez tem computadores mais rápidos e telefones que permitem estabelecer comunicações instantâneas entre dois pontos opostos do planeta, e ainda assim precisa de roubar tempo ao tempo? E qual é a daqueles chicos-espertos que não acreditam que o Homem pode viajar no tempo? Meus senhores, o homem já o faz! Duas vezes por ano! Só não percebo é por que é que é apenas uma hora para a frente ou uma hora para trás. Será que há regras? Será que Deus, quando permitiu que os homens mexessem no tempo, lhes disse “Vê lá o que é que fazes, ó Homem! Podes mexer no tempo, desde que o ponteiro mais pequeno não dê uma volta! Mais que isso, avarias-me aí a cebola e depois é uma chatice para encontrar um relojoeiro aqui para estas bandas.” E o homem, como até é um bicho pouco curioso, cumpre. E, da mesma maneira que o Homem brinca com os ponteiros do relógio, também inventa um dia a partir do nada, de quatro em quatro anos. E é por isso que eu pergunto: se podemos adiantar ou atrasar a hora, criar do nada mais 24 horas, brincar, enfim, como bem nos apetece com o tempo, domesticando-o a nosso bel-prazer, por que razão é que nós, portugueses, em vez de aproveitarmos esta benesse dos céus para visitarmos outros tempos, outras culturas, outras civilizações, fomos logo escolher voltar 20 anos atrás para revermos peles engelhadas e ideias retrógradas a concorrerem a Belém?