sexta-feira, agosto 19, 2005

Chamamos ou não chamamos?

Há coisas que nem eu, que sou quase Deus, percebo. Devido ao avolumar da área ardida e ao incessante avanço das chamas, a Oposição tem, nos últimos tempos, reforçado a ideia de que deveria ser declarado o estado de Calamidade Pública. O Governo retalia, dizendo que não é motivo para tal. Ora, essa tal Calamidade Pública até tem um nome porreiro, que impõe respeito e tal, mas, tirando isso, em que é que ajuda? Será que, quando uma povoação estiver cercada pelas chamas, o comandante dos bombeiros, vendo que não tem mais nenhuma solução, assobia e a Calamidade Pública aparece e salva toda a gente? E como? Será que é com o sopro gelado que aprendeu a fazer com o Super-Homem? E sendo assim tão eficaz, não deveria ter sido chamada já há muito tempo? Ou será que também habita em Kripton e, no estado em que andam os transportes públicos, isso é coisa para demorar uns mesitos a chegar? A verdade é que não se fala noutra coisa. Uns dizem para se declarar o tal estado, outros dizem que não é necessário. E isto deve dar azo a conversas do género: “ Meu Comandante, hoje temos duas frentes a oeste, um reacendimento naquela colina acolá e o vento parece que se está a levantar. Será melhor chamarmos a Calamidade Pública ou basta que nos emprestem o tal Canadair que nos andam a prometer, que a gente, com a nossa perícia, faz o resto?” Quer-me parecer até que, a confirmar-se a reputação dessa misteriosa entidade, os próprios incêndios serão os primeiros a cair em si e a desacelerarem a sua marcha floresta adentro. Entre os próprios incêndios, surgiriam certamente conversas como esta: “Xiii! Ó Joca, parece que este Verão não temos mais trabalho. Declararam o estado de Calamidade Pública!” Ao que o outro dirá: “Xiii! Então é melhor que nos extingamos a nós próprios antes que ela chegue. Se há coisa que não gosto é de ser sovado pela Calamidade Pública. Ainda bem é que ela demora sempre algum tempo a vir; sempre dá para consumir uns bons hectares de mato antes de nos fazermos à estrada e irmos consumir armazéns de material pirotécnico para Trás-os-Montes.” E acredito, além disto, que caso se decidam mesmo a declarar esse tal estado, será o próprio Homem quem se comportará devidamente. Acho que existem estudos, inclusive, que provam que, declarando-se o estado de Calamidade Pública, ninguém faz queimadas, ninguém fuma perto de locais arborizados e todos aqueles que antes tinham ideias incendiárias passam a brincar com Pini-Pons e a ouvir Celine Dion. Aliás, parece que declarar o estado de Calamidade Pública é o mesmo que lançar na atmosfera um gás qualquer que consciencializa as pessoas e que as torna dóceis e afáveis. Não sei é como é que ainda não se lembraram de levar esta ideia para o Médio Oriente! Tenho quase a certeza que a Calamidade Pública resolvia todos os problemas entre palestinianos e israelitas e ainda lhe sobrava tempo para ir até ao Iraque ajudar as tropas norte-americanas a domesticar um povo inteiro.

segunda-feira, agosto 15, 2005

Piada

Isto do humor é muito simples: ou se tem piada, ou não se tem piada. Há também aqueles que têm piada, mas que não sabem, ou aqueles que não têm piada, mas que pensam que têm. Há ainda os que têm piada assim-assim, ou aqueles que têm piadas fraquinhas, ou aqueles que têm piada só às vezes. Isto para dizer que o que se faz aqui, neste preciso lugar, não tem nada a ver com humor. Por isso mesmo, escusam de se rir. Isto é apenas uma espécie de salada de alface e agrião temperada com vinagre, nada mais que isso. E eu sei que não é fácil, mas convençam-se que uma salada do género, apesar de rica em ferro, é muito pobre em termos humorísticos. Como tal, e como a ideia era que isto fosse uma coisa que pusesse a malta bem disposta, que provocasse, pelo menos uma vez, uma ténue risada, a partir de hoje este blog passará a ter piada. Para isso, bastará apenas que se convençam de que isto tem piada. Nada mais fácil! Chegam aqui e dizem: “Ah! Que piada que isto tem! Vou já rir antes de começar a ler que é para não perder embalagem.” E começando assim, acreditem que conseguem rir como maluquinhos durante bastante tempo. Se conseguem acreditar que – como vêm dizer para a televisão certos entendidos – os incêndios florestais se ateiam a si mesmos, também conseguem mentalizar-se que isto tem piada. Por acaso, outro dia até me cruzei com um incêndio e percebi logo o que ele andava a tramar. Mais tarde, fui encontrá-lo a fumar e, com os meus próprios olhos, vi-o arremessar a beata ainda incandescente para um arbusto que dizia, se bem me lembro, “Porra, lá vem outro incêndio com ideias incendiárias! O que dava jeito agora era um humano para fazer o que eles fazem melhor, que é combater incêndios.” Enfim, isto não terá nunca, obviamente, uma competência humorística superior à competência dos bombeiros voluntários da Póvoa do Lanhoso, mas será – e isto prometo eu – um blog esforçado. Quanto à piada fácil, a partir de hoje tem os dias contados. Aliás, há já alguém encarregue de contá-los. Viram? Piada inesperada e rica! É disto que eu falo. A partir de hoje, deixam portanto de haver textos sem piada neste blog. Uma maneira segura de atingir esse objectivo seria deixar mesmo de haver textos, mas isso assim não teria piada. E como, a partir de agora, só se pretende ter piada, isso não seria uma boa opção. Aliás, a única boa opção seria contratar gente com piada para escrever aqui. Ou então brincar com a língua portuguesa, que é algo que garante sempre piada, e escrever frases, por exemplo, sem concordância entre sujeito e predicado, para que as pessoas possamos sentir a verdadeira abrangência do humor inteligente. Isso sim, era matéria ganhadora. Melhor seria difícil. Enfim, o que é certo é que as pessoas têm hoje em dia uma necessidade extrema de rir e o humor que andam a vender tem cada vez mais exigências. Da parte da gerência deste blog, tudo faremos por agradar os nossos clientes. Por isso, o pessoal anda a tentar evoluir. Segundo estudos que fizemos, uma das coisas que anda aí na berra é o condicionalismo intuitivo. Daí este texto usar dezoito vezes (com o título, dezanove, com esta, vinte, e com as que vêm a seguir, vinte e tais) a palavra “piada”. Mesmo que não queiram rir, as pessoas são confrontadas tantas vezes com a palavra “piada”, que acabam, inconscientemente, por achar mesmo piada. Houve um caso ou outro no qual a pessoa, em vez de achar piada, achou que era o Robert Redford no África Minha, mas isso são consequências naturais deste tipo de experiências. Para concluir, nem tudo o que o povo diz é consensual. Dizem que fazer humor não é fácil. Tudo bem! Mas também dizem que criar um filho não é fácil e os chineses não pensam necessariamente assim...