Sudoku
“Chiça, penico, chapéu de coco!!” Esta é das expressões da minha infância que recordo com mais ódio. Para quem desconhece, significa, grosso modo, o mesmo que “Foda-se!”, mas dá um ar cândido à coisa. Citei-a para demonstrar o meu estado de espírito. Como toda a gente já percebeu, hoje sinto-me trôpego. E pergunta o leitor: “O que é sentir-se trôpego?”. Bom, é mais ou menos quando um leopardo se sente um cágado ou quando o Super-homem se sente o Christopher Reeves. Perdão, sentia. E por que razão me sinto assim? Basicamente porque sim! Mas também porque, há uns meses, demoliram as torres de Tróia em directo e na altura eu pensei: “Hoje sinto-me finalmente um homem!”. Volvidos uns tempos, voltei a sentir-me assim ao saber que Elton John e o seu namorado (perdão, noivo) tinham casado. Gostava muito era de saber qual dos dois tinha feito o outro esperar no altar.
Bom, mas ainda não expliquei por que razão me sinto hoje um nadinha trôpego. Sinto-me assim porque ainda não almocei e estou fraquinho. Neste momento, o leitor está com uma das sobrancelhas, talvez a esquerda, franzida, pensando: “Hmm… Mais um diminutivo maricas desses e não sei não”. Queria deixar claro que usei os diminutivos de uma forma puramente artística, para realçar o meu debilitado estado físico. Como tal, nada há de abichanado neste pedacinho de texto…
Agora sim, vamos ao que interessa. Antes de começar queria dizer que as pessoas que usam a expressão “antes de começar” são mentirosas, uma vez que, ao começarem um texto dessa forma, estão já a começar, sendo por isso impossível referir algo antes de começar. Por isso, se encontrarem algo parecido, ignorem, porque tudo o que vem a seguir é falso. Para não me repetir, queria dizer que, antes de começar, vou-me assoar. E qual é a importância disto, perguntam vocês? Vá, perguntem lá! Bom, é o seguinte. Uma das mais célebres passagens do Ulysses de James Joyce acontece quando uma das personagens principais se assoa. Diz a crítica que nunca antes uma personagem romanesca tinha sido descrita a assoar-se. Assim, entre outras, esta passagem contribuía para a inauguração, na literatura, do romance moderno, em que o grotesco, a caricatura e a paródia serviam para descrever o homem moderno e o quotidiano do mesmo, em que o protagonista já não era o homem ideal, o homem de valor, o herói, mas o homem comum, igual a tantos outros. Ora bem, o que eu acabei de fazer, ao assoar-me em pleno processo de escrita, foi inaugurar, nesse mundo redondo que é a blogosfera, o blog moderno. Ou então, só desentupi as fossas nasais.
Chegados finalmente ao sumo deste texto, queria referir que há algo na nossa sociedade que não está bem. Refiro-me, obviamente, às revistinhas de Sudoku. Não sei se já reparam, mas agora toda a gente anda com uma atrás. Ouvi ontem dizer, nas notícias, que o consumo de tabaco no nosso país tinha descido 5%. A mim isso não me espanta. Isto pode significar duas coisas: ou a malta está a fumar menos porque se distrai a fazer um Sudoku, ou deixou de fumar para poder comprar revistinhas de Sudoku. Não significa, de certeza, mais nada. Ou seja, o que se passa é que a malta se livra de um vício viciando-se noutra coisa. Resta saber qual dos dois é mais prejudicial à saúde. Mas o síndroma do Sudoku afecta fumadores e não-fumadores, logo algo de mais perigoso se passa. Tenho estudado com atenção este caso e sinto-me apto a explicar por que razão anda tanta boa pessoa viciada nesse jogo maquiavélico: há uma necessidade muito grande, entre cada um de nós, de mostrarmos aos outros que somos inteligentes. E que melhor maneira de fazê-lo? Comemorar os quatrocentos anos da primeira edição do Dom Quixote e ler a obra-prima de Cervantes? Nada disso! Não queremos cá mariquices dessas! Por isso, armamo-nos em génios da matemática e fazemos Sudokus em tudo o que é sítio. Isso sim, é de gente esperta… Para mim, o cúmulo da estupidez humana passa por algo parecido. Retenham esta imagem, pois vai-vos assombrar para o resto da vida. Hora de ponta! Metropolitano cheio! Entram no Marquês de Pombal e mal cabem na carruagem, tendo mesmo que fazer um esforço desumano para não apalpar as mamas de uma velha qualquer que está entalada entre vocês e um morador do Intendente vestido com um fato-de-treino da feira do Relógio com mais cores que o Alvalade XXI. Cada uma das pessoas que se acotovelam na carruagem tem, numa mão, uma caneta e, na outra, uma revistinha de Sudoku. Quase que conseguem ouvir as contas de cabeça que as pessoas fazem. Ao pararem nas Picoas, sentem-se tentados a deixar o metro e a esperar pelo próximo, mas não o fazem. Beliscam-se para comprovarem que não estão a ter um pesadelo. Alguém vira uma página desenfreadamente, querendo mostrar à pessoa que está ao seu lado que é mais rápida que ela e, por isso, logicamente mais inteligente. O metro pára no Saldanha e entra um vendedor de revistinhas de Sudoku, profissão que não tardará a aparecer em força. O cheiro a suor invade-vos e têm vontade de vomitar. No Campo Pequeno, entra um génio da matemática, que vem obviamente a construir problemas de Sudoku para depois vender a editores de revistinhas de Sudoku. As náuseas aumentam e sentem vontade de estropiar o próximo ser que entre no metro a fazer um Sudoku. O metro pára em Entrecampos e metade dos passageiros sai. Sentem-se aliviados, pensando que o pesadelo chegou ao fim. Contudo, entra um invisual na carruagem ao fundo e caminha pelo corredor na vossa direcção. Vem com a lenga-lenga habitual: “Quem tem a bondade de me auuuxiliar?” Como anda às cabeçadas a tudo o que é sítio, reparam que não traz os apetrechos do costume. Nem o copinho de cartão com uns trocos com o qual faz um barulho irritante, nem a vareta com que sente o que se passa à sua volta. Traz, sim, uma revistinha de Sudoku, versão Braille, e um saquinho com peças de Lego com as quais vai preenchendo os números que descobre. Na próxima estação, sairão a correr e saltarão para a linha…
2 Comments:
Oi?
Mas isto é suposto dizer Olá?
Oh Nuno.. O gajo anónimo é brasileiro.. cuidado..
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