domingo, junho 19, 2005

O que vale é que somos todos muito tolerantes

A cada dia que passa, penso: será que é de mim ou isto anda tudo parvo? Lembro esta questão sempre que vejo o nosso Presidente da República a fazer algo mais complicado que descascar uma banana, como, por exemplo, a dizer que não será tolerado o racismo, a xenofobia e o ostracismo. Além de ter mencionado estes três termos sem gaguejar, o que por si só demonstra um extraordinário trabalho a nível de dicção, parecia mesmo que ele sabia o que cada um deles queria dizer. Quer-me parecer que, ao fim de não sei quantos anos de presidência, o homem mostrou atributos que mereciam mais uns anitos de contrato. Bom, isto tudo porque a Frente Nacional decidiu organizar uma manifestação este fim-de-semana. Além de ser a imediata reacção ao episódio do “Arrastão” em Carcavelos (Devo dizer que gostei bastante do nome que deram à coisa. Aliás, quem por acaso estivesse fora do país ou isso, ao ouvir tal designação, ficava imediatamente a saber que se tinha tratado de um conjunto de assaltos desordenados, protagonizados por 500 indivíduos que entraram na praia e que semearam o caos.), a manifestação visava sobretudo alertar para o aumento da criminalidade protagonizada pelos gangs. Antes de mais, acho que a manifestação não podia ter ocorrido em pior altura. Dias antes, em Lisboa, gritavam-se coisas como “A luta continua!” ou “Assim se vê a força do PC!” ou ainda “Cunhal, amigo, o povo está contigo!” ou então ainda, com menos entusiasmo, é certo, “Porra, pá!”. Porém no fim-de-semana, em vez de “luta” e “Cunhal”, gritava-se em Lisboa algo como “Vão para a vossa terra!” ou “Ponham-se a andar!”, o que me parece de mau gosto. Isso é gozar com o trabalho do homem. Andou ele não sei quantos anos a lutar pela democracia e, ao morrer, vem alguém da extrema-direita e diz:

“Democracia? Sim, conheço o termo! Tem a ver com a liberdade de expressão da malta branca, não é?”

Ora bem, estes manifestantes, além de anunciarem que a manifestação iria ser um acto pacífico, não se consideram racistas. Aliás, houve um manifestante em particular que disse algo como:

“Eu, racista? Não! Nem pensar nisso! Eu defendo os interesses da etnia branca, mas não sou racista. Aliás, para mim tudo o que não é branco era mas é queimado vivo. Mas não sou racista! Racista? Mas está brincar comigo?”

E isto chocou a malta. Chegaram mesmo a dizer-me que isso era quase tão contraditório como o Cláudio Ramos insistir que gosta de mulheres. Vamos lá ver uma coisa: não é preciso chegar a extremos. Uma coisa é não gostar de outras etnias ou apetecer-lhe muito que fosse inventada uma bomba que matasse tudo o que não fosse branco, outra coisa muito diferente é ser-se racista. Não vamos comparar as duas coisas. Mais um bocadinho e diziam que o Hitler andou a matar judeus. Aliás, das imagens que vi e das entrevistas que fizeram, vi sobretudo malta ajuizada, muito consciente daquilo que se entende por “liberdade”. Estou até capacitado, depois disso, a dizer que aquilo era uma manifestação de meninos bem-educados, que valorizam a diferença de culturas e que fazem da inteligência a sua maior arma (isto, claro, se não houver à mão um cocktail molotov). Portanto, Tolerância foi a palavra de ordem. Ou terá sido “Pretos de m****, vão todos para a p*** que vos p****”? É que com o barulho, como são foneticamente idênticas, não consegui perceber muito bem. Ainda por cima, são dois conceitos em tudo iguais. Enfim, a manifestação até correu mais ou menos bem, pois a polícia impediu que o pessoal que estava de fora a assistir se insurgisse contra os manifestantes. E é isto que eu não percebo! Que reacções foram aquelas? Estavam os manifestantes a dizer coisas bonitas e queriam logo bater-lhes? Mas o que vem a ser isto? Já ninguém pode fazer nada? Já não se podem mandar os marroquinos de volta para o Sahara que se é acusado de xenofobia? Daqui a nada vão dizer que essa rapaziada pacífica que são os americanos anda por aí à parva a matar muçulmanos por esse mundo fora e que isso não se pode fazer, não? Vamos lá ver as coisas como deve de ser, não é? O pessoal foi para ali manifestar-se contra a criminalidade e acabou rotulado de racista. Não é justo! Um testemunho que eu gostei foi de um rapaz que disse qualquer coisa como isto:

“O Afonso Henriques correu com os mouros daqui, portanto, agora também devemos correr com a estrangeirada toda, à excepção das suecas, das checas e das holandesas, porque essas fazem uns fellacios à maneira. Ah! E as húngaras também não porque têm bigode e aquilo até é fofo!...”

Não terá sido bem assim, mas pelo menos a parte do Afonso Henriques era semelhante. Esta frase diz-nos essencialmente que aquela treta do “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” que o ignorante do Camões andou a escrever não tem fundamento, já que somos exactamente o mesmo povo bárbaro de antes. Ou talvez seja mais profundo que isso. Acho que, afinal, ainda estamos no século XII, apesar de nos andarem a dizer o contrário. Mais concretamente, devemos andar aí a meio do século XII, para aí na altura em que o tipo conquistou Lisboa. Eu tenho até uma teoria que o Sócrates é o Afonso Henriques. Está é disfarçado, que é para enganar os mouros. Portanto, isto tudo é mentira e temos que nos unir para expulsar esses infiéis daqui para fora. Por isso, como afinal o ano não é 2005, mas 1147, essa malta que defende a igualdade de direitos esteja mas é calada, que essa treta só vai ser inventada daqui a uns sete ou oito séculos! E, até lá, ainda temos que ir à Terra Santa fazer uns quantos genocídios, ainda temos que conquistar o Mundo Novo e exterminar os tipos que pensam que aquilo é deles, ainda temos que inventar uma coisa fascinante que nos permite enriquecer enquanto os outros trabalham para nós que é a escravatura e ainda temos que gasear uma data de malta em campos de concentração. Portanto, enquanto esses tempos chatos não chegarem, deixem-nos ser intolerantes, porque a tolerância é a principal culpada pela criminalidade hoje em dia. Ou será a falta de educação? Não, nada disso! Inteligência? Diferenças entre classes sociais? Também não. Nem pensar nisso. O verdadeiro problema é a cor da pele, os costumes e o Deus em que se crê. Isso sim...