quarta-feira, abril 12, 2006

Se és bom pai de família, podes bater-me...

Cheguei hoje à conclusão, se dúvidas houvesse, que vivo mesmo em Portugal. E pergunta o caro leitor: “Então mas não és Eslovaco?” E respondo eu: “Não, não sou.” Sou português de gema, que – lá está – é uma expressão bem portuguesa. Se fosse eslovaco, diria uma coisa como: “Sou eslovaco de quartzo.” Enfim, e por que razão é que não restam mais dúvidas que sou português? Simples. Porque vivo no mesmo país em que agredir uma criança deficiente é sinónimo de afeição paterna. A notícia que escandalizou a opinião pública – e também a opinião privada, segundo fontes da Agência Lusa – surgiu hoje em todos os noticiários: uma funcionária de uma instituição de apoio a crianças com deficiências que agredira várias crianças foi absolvida pelo Supremo Tribunal. Em primeiro lugar, creio que o Supremo Tribunal, para ter esse nome, é um bocado gabarolas. Se fosse uma instituição de reputada confiança, teria, por certo, um nome menos arrojado, como – sugestão minha – Tribunalzeco. Depois, não percebo porquê tanta indignação. Eu também me irritaria se estivesse a querer dar a papa a uma criança destas e ela, além de rejeitar a comida, ainda fizesse caretas, entortasse os olhos e dissesse algo como “Gú gú dá dá!” Tudo bem que brincasse aos deficientes, mas construir frases sem verbos não! Esta senhora foi, portanto, acusada de esbofetear uma criança e de trancá-la numa despensa, ao escuro, durante mais de uma hora. E é aqui que eu discordo desta senhora. É óbvio que não raciocinou. Se uma criança se recusa a comer a sopa, o único castigo que não se lhe pode dar é trancá-la numa despensa. Porquê? Porque é, à partida, onde estarão guardadas as bolachas e os chocolates, coisas que, todos sabemos, as crianças adoram. “Ah, não queres a sopa, é? Então vai ali para a despensa refastelar-te com Bollicaos”. Quanto ao facto de estar escuro, creio que terá tido a ver, isso sim, com um problema eléctrico, nada mais. Bom, segundo a sentença, o juiz considera que dar uma bofetada numa criança e fechá-la num quarto, às escuras, é algo que todo o bom pai de família faz. Antes de mais, é preciso desmistificar esta história do bom pai de família. O que é um bom pai de família? Segundo a tradição, isto é, antes do 25 de Abril, era o típico pai provinciano, ignorante, que educava os filhos à sua imagem, para que, um dia, pudessem ser o que ele era, ou seja, um zero à esquerda. Depois do 25 de Abril, com a liberdade de escolha, já poderiam ser um zero à direita, se preferissem. Pelo que percebi, para este juiz, o bom pai de família será certamente aquele que chega a casa embriagado e que arreia na mulher, nas crianças, no cão e no lava-louças. E, verdade seja dita, o lava-louças não tem culpa de nada. Lá está, o Saddam, quando foi acusado de exterminar milhares de pessoas, defendeu-se com algo parecido: “Tudo bem, eu odeio os outros e cometi uns genocídios de curdos, mas a verdade é que sou um bom pai de família.” E contra factos, não há argumentos. Ao que parece, em Portugal, se se é um bom pai de família, pode-se fazer, praticamente tudo. Enfim, esta senhora foi ainda ilibada por possuir duas outras atenuantes. Primeiro, não tinha cadastro, o que faz de Hitler, que consta que também tinha a ficha limpa, um verdadeiro menino de coro. Segundo, andava a trabalhar sem gozar folgas. Ora bem, a criança, depois de espancada, poderia ter reagido assim: “Ai, ai! Vou contar ao meu pai.” Contudo, a arguida, depois de dizer algo como “Não vale queixinhas!”, lembrar-se-ia que tinha do seu lado o mais forte dos argumentos: “Eu não gozei a minha folga esta semana, portanto tenho o direito de te bater! Por isso, podes chamar o teu pai, até porque também não gozei a folga da semana passada, o que me dá o direito de lhe bater a ele.” Isto leva-me para outro cenário. Num combate de boxe, os lutadores não falam muito, mas se falassem poderiam ter diálogos do género: “Ouvi dizer que és bom pai de família. É verdade?” E diz o outro: “Sim, tenho dois filhos e os dois já arrotam mais alto que o pai.” “Ah, sim, que engraçado. Então, nesse caso, podes dar-me um murro no estômago! E, se por acaso, não tiveres gozado a tua folga esta semana, espeta-me um no queixo, que eu fico no chão e tu ganhas por KO.” O que vale é que vivo num país em que os pedófilos são todos condenados, se não emigraria…

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Humm, tem piada.

10:19 da tarde  
Blogger Nuno said...

Depois deste comentário, é caso para dizer: FODA-SE!

7:15 da tarde  

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