quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Os telemóveis

Queria aqui deixar expressa a minha solidariedade não para com o mundo em geral, mas para com aquele mundo tão peculiar que é o das comunicações. A meu ver, a chegada dos telemóveis transformou o mundo (foi isso e a primeira aparição em público da Linda Reis). Como se pode facilmente perceber, as principais mudanças foram: a demissão em massa de funcionários dos correios, a recruta, por parte das novas empresas de telecomunicações, de ex-funcionários dos correios e, a mais inovadora de todas, o telecomando da televisão (especialmente a pensar em momentos delicados em que o telespectador, deparando-se abruptamente com a flacidez das coxas dessa senhora, sente subitamente o jantar a subir à boca e precisa de rapidez na hora de mudar de canal).

Mas nem tudo foi mau. Esses mesmos funcionários, que antes percorriam as ruas de lés a lés de sacola às costas (se bem que muitos andavam com ela a tiracolo não por dar mais jeito, mas porque, em caso contrário, davam um ar demasiado masculino e nunca se sabe quando se vai bater à porta de casa do Cláudio Ramos com uma encomenda registada) passaram a exercer a sua função, seja ela qual for, sentadinhos a uma secretária a atender chamadas e a explicar a verdadeiros génios que o objecto que têm diante deles (para quem não está a seguir a conversa desde o início ou então adormeceu a meio, entenda-se o objecto em questão como sendo o telemóvel) não frita bifes nem tão pouco possibilita, se convenientemente chocalhado, a audição do relato da bola. O resultado prático desta mudança foi a descida dos índices de adultério: sempre é menos um marmanjo a ir todas as manhãs a casa do pessoal...

A verdade é que os telemóveis fazem agora parte da vida de todos. No que me diz respeito, gosto especialmente daquelas pessoas que respondem a uma mensagem com um toque. Acho que a criatividade humana não poderia ir mais longe. Por exemplo, a uma mensagem do género

Olá! Td bem? Q fazes? Beijos...

quem responde com um toque demonstra não só uma notável capacidade de poupança como uma sintética maneira de responder. Na minha ideia, esse toque pressupõe uma resposta do tipo:

Olá. Tá-se! Tou em casa! Beijos pa ti...

E quando deixam tocar algum tempo mais, corresponderá certamente a uma mensagem do tipo:

Olá. Tava agora a pensar mandar-te uma msg. Tou em casa, mas de tarde vou sair. Como ñ disseste nd + cedo, combinei com 1 amiga. Beijos...

Ou então, no caso do emissor ser daqueles ou daquelas que não nasceram com o dom da inteligência, uma mensagem do género:

Olá! Olha, tá a chover. Tenho 1 furúnculo, por isso ñ posso beber leite. Amanhã é feriado, ñ é? Deve ser dia da Mãe.

Ou então, (não é que eu acredite nisto) esse toque demoradinho pressupõe uma mensagem do tipo:

Olá, meu otário! Até tenho bastante dinheiro no telemóvel, mas ñ me apetece gastá-lo ctg. Por isso, mando-te um toque, que é só para ñ parecer muito mal e continuares a pensar q gosto da tua companhia. Se quiseres combinar alguma coisa, manda msg q eu respondo. Se der 1 tk é pq posso, 2 é pq não posso, 3 é pq posso, mas não a essa hora, 4 é pq não posso pq a minha mãe ñ me deixa, 5 é pq tá frio e ñ apetece, 6 é pq toda a minha roupa tá pa lavar e ñ tenho nd pa vestir, 7 ou + é pq ñ tenho nd pa fazer e tou-te a dar gozo.

Creio, inclusive, que estas pessoas que respondem a mensagens com um simples toque são as mesmas que, ao serem atendidas no McDonald’s, bocejam e lhes trazem imediatamente um Big Mac acabadinho de fazer. Ou, por exemplo, numa consulta, ao serem inquiridas pelo médico sobre a razão que ali as levou, se franzirem uma sobrancelha estão automaticamente a denunciar uma amigdalite; por sua vez, ao coçarem o nariz, o médico fica imediatamente a saber que o problema é uma dor lombar provavelmente causada por posições menos ortodoxas; se, por outro lado, a primeira reacção destas pessoas é cruzar os braços, o médico fica indeciso entre uma rinite alérgica e um problema hemorroidal. Por isso, para estas pessoas, eu tenho um conselho. Eu sei que são expressivas o quanto baste, mas há casos em que as outras pessoas podem ficar na dúvida (sobretudo se forem um pouco distraídas). O que eu recomendava era que dessem mais ênfase ao que dizem, ou então, sei lá... se não fosse pedir muito, que dissessem mesmo o que querem. Acho que isso resolveria muita coisa por esse mundo fora. Sei até que, segundo fontes próximas, antes de Yasser Arafat ter morrido, Ariel Sharon lhe enviou uma SMS a desejar “sinceras melhoras”, tendo no final juntado a seguinte nota:

Comé? Vamos fazer a paz?

Como o líder palestiniano não tinha saldo para enviar uma mensagem, mandou um Kolmi e até hoje ainda não se resolveu o assunto.