sexta-feira, dezembro 30, 2005

Enteados e enteados

Abri o dicionário de provérbios ao calhas e saiu-me o provérbio seguinte: “Mais vale cair em graça que ser engraçado!” Não que isto seja importante, mas queria partilhar a experiência de abrir um livro ao calhas convosco. Bem, era para dizer que me sinto bastante fregavado com o mundo. E, perguntam vocês, o que é sentir-se fregavado? Isso gostaria eu de saber. Foi a palavra que o computador reproduziu quando esmurrei o teclado. No fundo, sinto-me prequel porque o ingertui do mundo é plasdeto injusto. Ou, traduzindo, eu já ganhava um Pulitzer, ó palhaços! Tudo isto para dizer que há para aí escritores que escrevem bem. Diria mais: esses escritores escrevem bem. E não me estou a referir a sem-abrigos e a cartazes como “Dê-me uma esmolinha”. Não! Estou a falar de escritores, de pessoas que ganham dinheiro com a escrita. Na minha opinião de quem nunca escreveu um livro, essa malta deveria ser escolhida pelas qualidades enquanto escritores e não pelos botões de punho ou pelo apelido pomposo. Também não deveriam ser escolhidos por serem filhos da Sophia de Mello Breyner Andresen. Isto para dizer que já é suficientemente bom ter escritores como os que temos; não era preciso que esses mesmos escritores fossem júris de concursos de escrita. É que, com tais escritores a avaliar tais concursos, corre-se o risco de os níveis de selecção serem tão altos que, daqui a uns anos, haverá uma sobrecarga de grandes escritores no nosso país. E depois é uma chatice, uma vez que a malta não sabe o que há-de ler, tanta é a variedade e a qualidade. Mas pronto, pelo menos são pessoas altamente competentes naquilo que fazem e, como tal, sabem ajuizar perfeitamente algo dentro da área. Portanto, isto só seria mau se esses escritores não fossem competentes. Nesse caso, seria chato porque além de não haver bons livros em Portugal nos dias que correm, também não se auspiciariam grandes feitos literários no futuro do nosso país, já que os futuros escritores seriam escolhidos por pessoas que, sendo escritores incompetentes, seriam também júris incompetentes. Seria parecido com uma eleição presidencial em que os candidatos se submeteriam à decisão de um júri, sendo este composto pelo Sampaio e pelo Soares. Mas não é o caso e, assim sendo, já dizia o Voltaire, “tudo corre pelo melhor” no “melhor dos mundos possíveis.” Esqueçam! Quem dizia isto eram o Pope e o Leibniz: o Voltaire é que tinha a mania que ele é que tinha razão e que podia escarnecer daquilo que os outros diziam. E é por vivermos num sítio assim que não percebo por que razão as pessoas costumam dizer que há uns que são filhos e outros que são penteados.

Percebendo as mulheres

Antes de ir ao que aqui me trouxe, gostaria de reflectir um bocadinho sobre a vida. Adiv a erbos ohnidacob mu! Pronto, já está, era só isto. Agora sim, podemos começar. Hoje não venho aqui com piadolas. Queria, em vez disso, inaugurar uma espécie de consultório sentimental. Eu sei que é foleiro, mas não posso negar que é uma coisa que vende. Bom, tenho uma notícia trágica para todos os portugueses. Isabel Figueira deu o nó! Sei que é duro, mas a vida é assim. Porém, há que pensar positivo: cada vez há mais divórcios em Portugal. Isto remete-nos para a noção de casamento. E o que é o casamento, pergunta o interessado leitor? No fundo, é o processo pelo qual encornar o namorado (perdão, marido) passa a ter o nome oficial de adultério. Nada mais. O casamento deixou de ter significado quando passou a ser possível ter relações sexuais antes de se casar. Bom, queria também esclarecer dúvidas, como é o caso das desculpas que as mulheres inventam quando não lhes apetece ter relações sexuais. Ao jeito, portanto, de uma revista do género, um determinado leitor pergunta: “Maria, a minha namorada, semana sim, semana não, diz-me que está com o período. Será extra-terrestre?” E responde a Maria: “Não, amigo leitor, você é que é corno!” Mantendo a coerência dos temas, queria agora falar de estratégias de marketing para o ramo automóvel. Quer dizer, pensando melhor, queria ainda tentar perceber outra coisa que são os jogos psicológicos que as mulheres fazem com os homens. Não percebo aquela treta do desprezo. “Ah! Homem meu tem de se esfolar para me ter.” E fazem trinta por uma linha, que é uma técnica de tricotar que depois explico, para dificultarem a vida ao otário que anda de volta delas. Na minha opinião de homem, as mulheres querem qualquer coisa que lhes apareça à frente, embora queiram dar a entender que até têm algum critério de selecção. E como é que eu sei isto? Simples. Sempre que pergunto a uma mulher se quer um sugo de banana ou de ananás, ela diz: “Tanto faz”. Com os homens é igual. Contudo, gostam de ir dando patadas, que é como quem diz: “Vá, deita, bebé. Agora rebola. Dá a patinha! Arfa!” E se o homem não lhes der trela, amuam e arranjam dores de cabeça todos os dias da semana. A verdade é que as mulheres são de tal maneira caprichosas que podem até estar doidinhas para irem beber um café com um amigo qualquer em que estejam interessadas, mas não tomam a iniciativa de convidá-lo porque isso compete ao sexo oposto. Para elas, tenho uma palavra e meia: “E se se deixassem de peneiras e dissessem o que vos apetece, hein? É por isso que a mulher dos meus sonhos é um misto de Diana Chaves, pelo que diz, e de Alberto João Jardim, pelas feições.

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Vocábulos a mais

Dei conta, precisamente neste momento, às duas horas e vinte e três minutos da manhã, que há duas palavras da singela língua portuguesa que gostaria de suprimir por achar que não fazem falta nenhuma no nosso dia-a-dia. A primeira é o substantivo comum colectivo “souto”, coisa inútil, pois quando uma pessoa vê um conjunto de castanheiros, ninguém diz “olha que souto tão bonito!”, mas algo como “cortem aquele conjunto de castanheiros para construímos a porra do campo de golf”. A segunda, pela mesma razão da primeira, ou seja, porque pode facilmente ser substituída por qualquer coisa como chouriço-de-sangue ou, noutra acepção, por mulher árabe, é o substantivo comum feminino “moura”…

Ainda bem que sou português

É verdade, não são boatos: hoje senti-me finalmente orgulhoso por ser português. E tudo graças a quem? A Almeida Garrett, meus amigos. E quem é ele, perguntais vós? Posso garantir que não era nenhum daqueles bravos escuteiros que se perderam ontem na Serra da Estrela e que, intrépidos até ao fim, cantaram para ignorar o desespero. Para aquilo que o Almeida fez não era precisa tanta coragem. Então não é que este saudoso ícone da nossa pátria tem uma casa para os lados de Campo de Ourique, na qual nasceu e morreu, e que está ao abandono?! Pois é! E querem lá ver que a autarquia pretende demolir o prédio, rejeitando uma ideia estúpida e visivelmente inapropriada de transformar o edifício numa casa-museu! Assim é que é trabalhar! Qual era o rendimento que um projecto desses dava? Qual casa-museu, qual quê! Vamos é transformar património histórico-cultural em moradias! A esta notícia eu reagi com alguma preocupação, uma vez que demolir por demolir vai contra os princípios professados pela minha religião, mas como me garantiram que não seria um simples prédio, que, além de apartamentos, teria ainda uma garagem, eu até compreendi. E depois, quer dizer, já têm problemas que chegue em Campo de Ourique! Sempre há dois cinemas para restaurar… Sempre ouvi a minha mãe dizer, coisa que a mãe dela lhe tinha dito, certamente, que não se pode ter tudo. E é verdade! Entre dois cinemas e uma casa de um dos mais importantes escritores da nossa língua, é óbvio que a preferência recai pelos cinemas. É claro que, findada a notícia, fiquei bastante contente com a minha nacionalidade e dei graças a Deus por não me ter feito nascer em Abidjan e também à minha mãe por não me ter tido fora do país nem me ter concebido com um macaense. É que agora posso dizer, com todo o orgulho, que sou da mesma fibra que certos visionários que vetaram a construção da casa-museu de Almeida Garrett para construírem um prédio onde vai viver, provavelmente, a nata do nosso país, ou seja, um reformado balofo que não faz nada da vida além de blasfemar contra árbitros e contra vilões de novelas, um aleijado que demora dois dias e uma manhã para vir ao rés-do-chão ver o correio e uma velha mexeriqueira que anda de pantufas lilases o dia inteiro e que tem fantasias sexuais com o leiteiro. Mas pronto, ao menos vão ser inquilinos com garagem. Já diz ditado: mais vale um português com espaço para arrumar o carro, que um português inteligente.

terça-feira, dezembro 27, 2005

Sudoku

“Chiça, penico, chapéu de coco!!” Esta é das expressões da minha infância que recordo com mais ódio. Para quem desconhece, significa, grosso modo, o mesmo que “Foda-se!”, mas dá um ar cândido à coisa. Citei-a para demonstrar o meu estado de espírito. Como toda a gente já percebeu, hoje sinto-me trôpego. E pergunta o leitor: “O que é sentir-se trôpego?”. Bom, é mais ou menos quando um leopardo se sente um cágado ou quando o Super-homem se sente o Christopher Reeves. Perdão, sentia. E por que razão me sinto assim? Basicamente porque sim! Mas também porque, há uns meses, demoliram as torres de Tróia em directo e na altura eu pensei: “Hoje sinto-me finalmente um homem!”. Volvidos uns tempos, voltei a sentir-me assim ao saber que Elton John e o seu namorado (perdão, noivo) tinham casado. Gostava muito era de saber qual dos dois tinha feito o outro esperar no altar.

Bom, mas ainda não expliquei por que razão me sinto hoje um nadinha trôpego. Sinto-me assim porque ainda não almocei e estou fraquinho. Neste momento, o leitor está com uma das sobrancelhas, talvez a esquerda, franzida, pensando: “Hmm… Mais um diminutivo maricas desses e não sei não”. Queria deixar claro que usei os diminutivos de uma forma puramente artística, para realçar o meu debilitado estado físico. Como tal, nada há de abichanado neste pedacinho de texto…

Agora sim, vamos ao que interessa. Antes de começar queria dizer que as pessoas que usam a expressão “antes de começar” são mentirosas, uma vez que, ao começarem um texto dessa forma, estão já a começar, sendo por isso impossível referir algo antes de começar. Por isso, se encontrarem algo parecido, ignorem, porque tudo o que vem a seguir é falso. Para não me repetir, queria dizer que, antes de começar, vou-me assoar. E qual é a importância disto, perguntam vocês? Vá, perguntem lá! Bom, é o seguinte. Uma das mais célebres passagens do Ulysses de James Joyce acontece quando uma das personagens principais se assoa. Diz a crítica que nunca antes uma personagem romanesca tinha sido descrita a assoar-se. Assim, entre outras, esta passagem contribuía para a inauguração, na literatura, do romance moderno, em que o grotesco, a caricatura e a paródia serviam para descrever o homem moderno e o quotidiano do mesmo, em que o protagonista já não era o homem ideal, o homem de valor, o herói, mas o homem comum, igual a tantos outros. Ora bem, o que eu acabei de fazer, ao assoar-me em pleno processo de escrita, foi inaugurar, nesse mundo redondo que é a blogosfera, o blog moderno. Ou então, só desentupi as fossas nasais.

Chegados finalmente ao sumo deste texto, queria referir que há algo na nossa sociedade que não está bem. Refiro-me, obviamente, às revistinhas de Sudoku. Não sei se já reparam, mas agora toda a gente anda com uma atrás. Ouvi ontem dizer, nas notícias, que o consumo de tabaco no nosso país tinha descido 5%. A mim isso não me espanta. Isto pode significar duas coisas: ou a malta está a fumar menos porque se distrai a fazer um Sudoku, ou deixou de fumar para poder comprar revistinhas de Sudoku. Não significa, de certeza, mais nada. Ou seja, o que se passa é que a malta se livra de um vício viciando-se noutra coisa. Resta saber qual dos dois é mais prejudicial à saúde. Mas o síndroma do Sudoku afecta fumadores e não-fumadores, logo algo de mais perigoso se passa. Tenho estudado com atenção este caso e sinto-me apto a explicar por que razão anda tanta boa pessoa viciada nesse jogo maquiavélico: há uma necessidade muito grande, entre cada um de nós, de mostrarmos aos outros que somos inteligentes. E que melhor maneira de fazê-lo? Comemorar os quatrocentos anos da primeira edição do Dom Quixote e ler a obra-prima de Cervantes? Nada disso! Não queremos cá mariquices dessas! Por isso, armamo-nos em génios da matemática e fazemos Sudokus em tudo o que é sítio. Isso sim, é de gente esperta… Para mim, o cúmulo da estupidez humana passa por algo parecido. Retenham esta imagem, pois vai-vos assombrar para o resto da vida. Hora de ponta! Metropolitano cheio! Entram no Marquês de Pombal e mal cabem na carruagem, tendo mesmo que fazer um esforço desumano para não apalpar as mamas de uma velha qualquer que está entalada entre vocês e um morador do Intendente vestido com um fato-de-treino da feira do Relógio com mais cores que o Alvalade XXI. Cada uma das pessoas que se acotovelam na carruagem tem, numa mão, uma caneta e, na outra, uma revistinha de Sudoku. Quase que conseguem ouvir as contas de cabeça que as pessoas fazem. Ao pararem nas Picoas, sentem-se tentados a deixar o metro e a esperar pelo próximo, mas não o fazem. Beliscam-se para comprovarem que não estão a ter um pesadelo. Alguém vira uma página desenfreadamente, querendo mostrar à pessoa que está ao seu lado que é mais rápida que ela e, por isso, logicamente mais inteligente. O metro pára no Saldanha e entra um vendedor de revistinhas de Sudoku, profissão que não tardará a aparecer em força. O cheiro a suor invade-vos e têm vontade de vomitar. No Campo Pequeno, entra um génio da matemática, que vem obviamente a construir problemas de Sudoku para depois vender a editores de revistinhas de Sudoku. As náuseas aumentam e sentem vontade de estropiar o próximo ser que entre no metro a fazer um Sudoku. O metro pára em Entrecampos e metade dos passageiros sai. Sentem-se aliviados, pensando que o pesadelo chegou ao fim. Contudo, entra um invisual na carruagem ao fundo e caminha pelo corredor na vossa direcção. Vem com a lenga-lenga habitual: “Quem tem a bondade de me auuuxiliar?” Como anda às cabeçadas a tudo o que é sítio, reparam que não traz os apetrechos do costume. Nem o copinho de cartão com uns trocos com o qual faz um barulho irritante, nem a vareta com que sente o que se passa à sua volta. Traz, sim, uma revistinha de Sudoku, versão Braille, e um saquinho com peças de Lego com as quais vai preenchendo os números que descobre. Na próxima estação, sairão a correr e saltarão para a linha…

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Ai, ai, o Natal...

Antes de mais, queria desde já desejar uma Feliz Páscoa a todos e um Bom Ramadão. Bom, nesta quadra Natalícia, o que tenho para dizer é o seguinte: “Morte aos duendes!” Eu sou uma pessoa de bem, mas é preciso exterminar certos seres. Por isso, façam favor, senhores matadores de duendes, de cumprir o vosso dever. Ainda por cima, é uma coisa que até se faz bem ao som dessa grande música desta época que é o Samba.

Passando agora para coisas menos sérias, enquanto mastigo uma amêndoa de natal, queria dizer que acabou de começar essa grande época que é o Natal. Bom, antes de me centrar no que queria dizer, gostaria de referir que a expressão “acabar de começar” é das coisas que, certamente, colocam Portugal na cauda da Europa. Acredito até que grande parte dos fundos que a União Europeia nos recusa se prende com o facto de empregarmos expressões como essa. É isso e não sermos capazes de aniquilar todos os duendes que andam à solta no nosso país. É que, no fundo, “acabar de começar” demonstra que não sabemos muito bem às quantas andamos. Eu até percebo que os empreiteiros usem isso, sobretudo porque raramente sabem se uma obra está a começar ou a acabar, mas o resto da malta e, sobretudo, os duendes não tem desculpa. Enfim, deveríamos usar muito mais vezes, isso sim, expressões que dessem “muito pouco” trabalho a entender. Bom, mas o Natal acaba de começar. E perguntam Vossas Excelências: “E como é que sabes, ó palhaço?” Bom, em primeiro lugar, sem querer responder a provocações, palhaços são vocês e as p**** das vossas mães! Depois, sei-o porque vi na televisão. Estava a fazer zapping e, de repente, pumba! Um canal enfeitado com símbolos de Natal! Mas mesmo que não o descobrisse dessa maneira, haveria de lá chegar. Era uma questão de tempo. Isto porque este país dá muita importância a esta altura do ano. Vamos a factos? Ou vamos primeiro perfurar um pulmão a um duende?

Bem, em primeiro lugar, somos o que somos, mas nem isso nos impede de ter a árvore de natal mais alta do mundo. Grandioso feito para o nosso país! Desconfio até que é ali que os duendes se escondem. Isto porque, toda a gente sabe, os duendes vivem em ninhos, entre a folhagem das árvores. Por acaso, outro dia, enquanto via algumas fotografias do Terreiro do Paço no século XVIII, foi com alguma perplexidade que constatei que, naquela altura, o fervor natalício no nosso país não era tão grande, uma vez que não havia árvore para ninguém e muito menos duendes para pontapear. Isto demonstra que o Natal só é levado a sério de há uns tempos para cá. Também pode demonstrar, talvez, que as fotografias tivessem sido tiradas noutra altura do ano, mas não há certezas quanto a isso. Ou pode mesmo mostrar que os duendes imigraram para o nosso país apenas nos últimos duzentos anos.

Em segundo lugar, temos o mítico programa “Natal dos Hospitais”. É das coisas que há mais tempo me intrigam, este programa! Só nunca percebi por que é que, a meio da emissão, não há um duende a ser executado na guilhotina. Lembro-me de estar a sair de dentro da minha mãe, na maternidade, e de perguntar ao médico: “Ouve lá, meu, que é isso de Natal dos Hospitais?” Depois ainda acrescentei: “Por que é que estou de pernas para o ar? Põe-me já de pé, ou enfio-te uma patada nos dentes!” Enfim, qual é a necessidade de se exibir um programa especial para quem está hospitalizado? Mais um bocadinho e faziam-se também o “Natal das Penitenciárias”, o “Natal dos Conventos”, ou ainda o “Natal dos Cemitérios”. Uma coisa que tenho quase a certeza que será o próximo êxito da TVI é o “Natal dos invisuais que pedem esmola no Metropolitano”. Além disso, lembro-me perfeitamente de detestar esta altura do ano exactamente porque o Natal dos Hospitais impedia a transmissão dos desenhos animados. Ora, se esta época é também, e principalmente, para as crianças, não vejo como o João Pedro Pais ou a Romana podem substituir os bonecos dos putos. Mas, desde que não meta produções nacionais com duendes, por mim tudo bem. E se é para fazer chegar o Natal a todos, eu aplaudo.

Aplaudo também a hipocrisia que significa lembrarmo-nos, uma vez por ano, dos necessitados. E isto remete-me para o terceiro exemplo do nosso acirrado espírito natalício. Há malta que passa fome e frio durante todo o ano, mas que sabe que na noite de Consoada, por obra e graça de pessoas de grandes corações, terá a sua sopinha quentinha à sua espera, paga por uma autarquia ou por uma colectividade que se lembra que até parece bem ajudar os pobres coitados. Convém é não se atrasarem. É que se chegarem depois da meia-noite, já sabem: são mais 365 dias de penúria até que voltem a lembrar-se que existem. Além disso, correm mesmo o risco de, no ano seguinte, perderem a ceia para um duende que chegou primeiro e que ninguém conseguiu espezinhar a tempo.

Em quarto lugar, temos os acidentes rodoviários. Não há nada como o Natal para disparar a taxa de mortalidade na estrada. Há quem diga que o Natal é um evento criado unicamente para fins comerciais, uma vez que em nenhuma outra altura do ano as pessoas gastam tanto dinheiro. Sinceramente, eu acho que funciona muito melhor como regulador demográfico. Acredito ainda que, se não tivessem inventado métodos contraceptivos, por esta altura já havia 3 ou 4 Natais por ano. Isto tudo porque as pessoas não têm consciência na estrada. Ainda se fosse para apanhar duendes pelo nariz a duzentos à hora, ainda compreendia que se andasse a essas velocidades, agora assim não… Há alturas em que tenho até a seguinte ideia: “Hoje apetece suicidar-me! Pena é não ser Natal, se não pegava no carro e fazia-me à estrada!”

E, para finalizar, em quinto e último lugar, nunca poderia esquecer-me deste dia porque é nesta altura do ano em que a figura do anafado do Pai Natal desce pela minha chaminé. E perguntam vocês: “E tu, com essa idade, ainda acreditas no Pai Natal?” E respondo eu: “Claro que não! Mas também não vou dizer ao meu pai que sei que é ele, se não ele fica triste e depois tenho que lhe dar colinho.” E além disso, não vou querer chateá-lo, ou ele manda os duendes para me lixarem a vida…